No texto, são apontados os principais desafios da área de Hotelaria e Facilities: pensar digital, pensar de forma sustentável e focar na experiência do cliente, com exemplos na área de lavanderia e rouparia.
Este especial também inclui um episódio do podcast Hospitais Brasil, com uma entrevista com o professor Marcelo Boeger, abordando pontos de maior criticidade, como evasão, controles internos e o relacionamento com as empresas prestadoras de serviços.
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A gestão dos serviços de Hotelaria e Facilities na Saúde vem passando por transformações diárias. Alterações rápidas nas condições do mercado e sua volatilidade, como fusão e aquisição de hospitais por grupos de investidores e fundos, vêm obrigando o gestor a revisitar a forma de se relacionar. Muitas mudanças que a pandemia nos trouxe foram incorporadas aos serviços. Isto exige de nossas lideranças preparar o time para fazer parte desta transição e criar o ambiente para que suas equipes sejam protagonistas nesta transformação.
A busca pela excelência passa agora também por outros caminhos. Alcançar a visão sistêmica deixou de ser uma opção. Estar preparado para mudanças cada vez mais disruptivas e constantes em um ambiente com novos stakeholders exige e traz para a mesa novos elementos, novas formas de pensar e um novo comportamento diante dos desafios. Para atender a estas necessidades (inclusive as do cliente) e para sobreviver num mercado cada vez mais competitivo, alguns fatores precisam ser revisitados.
Pensar digital
Tomar decisões em tempo real, por meio de indicadores que tragam informações do atingimento de metas setoriais, cumprimentos de SLAs e conseguir ter uma ação para reverter determinada situação em tempo real não eram situações tão triviais, mas, atualmente, passaram a ser uma premissa. Afinal, precisamos de respostas imediatas e mudar a rota ainda durante o percurso.
Por muitos anos, os indicadores forneceram informações reativas, ou seja, a partir de uma base histórica somente. Isso significa um sistema reativo quase que planejado para resolver problemas ocorridos, quando há uma situação já instalada. Cada vez mais, deparamo-nos com sistemas de informações que serão capazes de trazer em tempo real a medição de determinado serviço, graças à interoperabilidade de dados, ou seja, à integração de sistemas, mesmo sendo de diferentes companhias.
O próprio cliente de saúde espera um modelo de relacionamento mais arrojado e passa a exigir a mesma capacidade de entrega e rastreabilidade que obtém com quaisquer outros serviços no varejo.
Ou seja, temos de buscar aqueles KPIs que olhem para frente e não para trás. Para isso, necessitamos compartilhar dados com tecnologias inteligentes de diversas partes, entre serviços, que nos tragam informações úteis e preditivas para a correta tomada de decisão. Devem ser analíticos e preditivos com enorme capacidade de interoperabilidade, moldados à necessidade de cada ambiente.
Não é raro encontrar gestores resolvendo problemas ainda do mês anterior dentro do epicentro de situações sendo construídas, que serão só vistos no mês seguinte. Claro que temos de analisar as causas históricas e usar isto para nosso planejamento, mas precisamos ser cuidadosos para não ficar refém de um sistema voltado apenas para olhar constantemente para trás.
No caso da gestão da lavanderia e rouparia, por exemplo, devemos ter em mente claramente quais indicadores necessitamos para gerir a rouparia do hospital e qual permitem avaliar a performance dos serviços contratados de lavanderia. São objetivos diferentes que podem ser facilmente confundidos, já que caminham para a mesma direção.
Entre os grandes desafios que enfrentam os gestores em hotelaria e facilities hospitalar, o gerenciamento do enxoval é, sem dúvida, um dos principais, dado o alto valor para sua aquisição e reposição, trabalhoso monitoramento para uso adequado de cada peça e processo de higiene eficaz, capaz de proporcionar segurança e conforto ao paciente.
Existem parâmetros distintos, e confundi-los fará o gestor ter uma expectativa alta de algo que o fornecedor não é capaz de entregar, ou ele olhará constantemente para o lugar errado.
Em primeiro lugar, temos de inovar nosso modelo de relacionamento. Há tantas tecnologias à nossa disposição que não faz mais sentido o gestor de hotelaria do hospital usar, por exemplo, o telefone diariamente como principal pedido de suporte. Muitas vezes, corre-se o risco de conversar com alguém que não tem autonomia para resolver o problema e não tem a informação necessária sobre situações de falhas de abastecimento, represamento ou na correção de um erro na expedição.
Os gestores da lavanderia e do hospital devem estar constantemente conectados através dos indicadores. Por meio da interoperabilidade entre os dados da rouparia, da expedição e da lavanderia serão transmitidas informações úteis para a correta tomada de decisão dos dois lados.
O gestor deve ser capaz de responder:
- Você sabe quanto é a sua perda econômica de enxoval por mês?
- Como programa suas compras de enxoval e qual é o critério?
- Quais controles existem no processo de envio e recebimento da lavanderia?
Isso exige mudança no comportamento: de uma relação apenas comercial de contratante e contratado para uma relação de parceria na gestão das empresas.
Poderão existir falhas dos dois lados, mas a lavanderia deve ter responsabilidade sobre aquilo que é de sua natureza, ou seja, a qualidade da lavagem das roupas – que está associada à rota suja. Taxa de relave, análise de sua desinfecção, represamento de enxoval, cumprimento de horário de coleta e de entrega conforme necessidade do hospital devem ser itens de desempenho contratados e acomodados ao melhor horário para as partes.
Na rouparia, devemos olhar para itens principalmente da rota limpa – como o cumprimento de horário do abastecimento das unidades, o kg/paciente/dia das unidades geradoras, as manchas geradas no processo assistencial e seus métodos de redução, as baixas técnicas, a evasão e o ambiente de controle necessário para sua redução e transferência de roupas no transporte de pacientes na remoção externa, entre outros.
Para os hospitais que utilizam a gestão por RFID, o gestor pode monitorar os níveis de estoque e realizar o inventário com mais precisão e agilidade. Pode obter enorme auxílio na escolha do fornecedor de roupa (diante de evidências de utilização) e na identificação do mal uso da roupa por setor, níveis de retenção em lavanderia ou mesmo nas rouparias satélites dos andares do hospital.
Claro que existem itens que são de responsabilidade das duas partes. Criar um sistema de regulação pode ajudar a melhor entender aquilo que mais importa. Às vezes não é o caso de exigir que todas as roupas coletadas nas últimas 24 horas estejam de volta ao hospital sem olhar para a necessidade real da operação.
Seria o mesmo que ir ao banco diariamente e pedir ao gerente para ver todo o dinheiro que está registrado na sua conta bancária. Só precisamos do dinheiro que iremos consumir naquele período. É preciso ter um sistema de “rodízio” das roupas que garanta um período em cada local, conforme seu propósito. Tempo para ser lavada, tempo para ficar na prateleira, tempo para estar em uso e tempo para coleta e transporte até a lavanderia. Ou seja, a base não é a quantidade absoluta, mas sim, a melhor necessidade da operação. Desta forma, aumentamos a vida útil das peças e tornamos a operação confiável para a própria operação.
Estamos cansados de indicadores que olham para trás. Necessitamos de indicadores que nos mostrem o que está acontecendo. Dados interoperáveis em tempo real.
Este exemplo é voltado para os serviços de lavanderia e rouparia, mas temos de pensar de forma digital para os demais serviços: o gerenciamento de leitos por conta de toda sua transversalidade e a gestão da higiene hospitalar, dos serviços de nutrição e de gastronomia entram com esta mesma lógica.
Impactos sociais e ambientais
Outro ponto importantíssimo que temos de trazer para esta discussão e assumir as responsabilidades que nossa área exige tem relação com as métricas do ESG.
Nossa operação também é responsável por uma série de fatores ambientais e sociais que afetam a sociedade e o meio. Por isso, é fundamental mensurar esses impactos.
Muitos dos ativos intangíveis que temos são resultados dos serviços que gerimos. As métricas do ESG devem não só fazer parte do discurso do gestor, mas também refletir na consistência de suas ações. O setor da saúde é responsável por aproximadamente 4,4% das emissões globais líquidas de gases de efeito estufa.
Existem diversas ações que estão em nossas mãos, por exemplo, ao contratar serviços de lavanderia, estamos levando em conta sua responsabilidade com o meio ambiente (tratamento de efluentes e uso adequado e rastreável de lenha e cavaco usado na caldeira), além da geração de plástico e carbono com a logística?
Temos de considerar o impacto do aumento de roupas privativas utilizadas em setores dentro do hospital, cujos custos de lavanderia, aquisição e controle não estavam orçados e alocados em nossas bases históricas. Iremos desmamar estes setores ou devemos ajustar os parâmetros? Nossos contratos com as lavanderias previam este status?
E ainda usando a lavanderia como exemplo, deveríamos responder:
- Na sistemática de seleção e avaliação do fornecedor, considera-se aspectos ambientais? Ou seja, composição dos produtos químicos, tratamento de efluentes, gerenciamento de resíduos sólidos, uso racional da água e gestão de geração de energia.
- Existem critérios estabelecidos para evidenciar a eficiência do processo de desinfecção da roupa?
E mesmo em diversas outras áreas do hospital. Como ignorar o incrível aumento na geração de resíduos sólidos, principalmente oriundos das importantes medidas de isolamento e implementação de coorte durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo SARS-CoV-2?
A pandemia aumentou a geração de resíduos A1 na maior parte dos hospitais, reduziu a reciclagem e gerou aumento de lavagem de roupas privativas, ampliando o consumo e o descarte de aventais, máscaras cirúrgicas, N95, além das luvas descartáveis. Quais ações estamos fazendo para minimizar seus efeitos? E para piorar, não podemos nos esquecer que os resíduos sólidos também são responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa.
E quando olhamos para os produtos químicos que compramos, levamos em conta o custo de seu descarte? E inúmeros outros exemplos que precisam ser considerados nas decisões que tomamos e que afetam a sustentabilidade das instituições de saúde, do ambiente e da sociedade em que estamos inseridos.
A jornada de experiência do paciente
Por último, mas não menos importante, devemos olhar para a experiência gerada dentro de cada jornada. A jornada é muito maior que a soma das partes dos serviços que a compõem. Praticamente todos os serviços da hotelaria associados aos soft services afetam diretamente a experiência do paciente e do acompanhante.
Além da disponibilidade do enxoval, os serviços de higiene, o estacionamento, a alimentação, a admissão e o acesso aos serviços passam por estas áreas, e toda a equipe deve ser gerida diante de uma cultura voltada para o desempenho em serviços, ainda que atue como tomador ou mesmo prestador.
Em qualquer que seja o caso, o NPS não vai aumentar de forma espontânea. Ele é o resultado direto da percepção do cliente diante dos serviços e de sua experiência nos vários pontos de contato. E são estas experiências que ajudam a formar a sua percepção de valor.
No caso dos serviços de rouparia e lavanderia, a roupa tem uma importância enorme. Além de representar um dos maiores custos unitários da área, também confere ao serviço hospitalar inúmeros padrões de qualidade, desde sua disponibilidade até a qualidade de cada peça, pois as equipes e os clientes os utilizam intimamente. Privativos para as equipes, camisolas e pijamas para os pacientes e campos cirúrgicos para as cirurgias devem oferecer conforto, segurança, barreira, além de aquecer, proteger e garantir a sua privacidade.
Quando a jornada está integrada, a experiência gerará muito mais valor ao cliente.
Marcelo Boeger
Consultor da Hospitallidade Consultoria, Mestre em Planejamento Ambiental (Unibero) e Mestre em Gestão da Hospitalidade (Anhembi Laureate)
Professor do MBA de Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar (CCIH-MED) e coordenador e professor do curso de especialização em Hotelaria e Facilities do Hospital Albert Einstein